ALVOROÇO NA PENITÊNCIA
Belos tempos os das penitências. Nesta época de calor o sol escaldante o dia até fica enorme e até se transforma em fogão... Uns dizem: “tem um sol pra cada um”; e outros: ”Este sol dá pra fritar até ovos no asfalto.” E assim vamos suportando a temperatura de acordo com o tempo tem aquele que se ajoelha e: ”O que Deus manda a gente tem suportar.”
Lá no povoado do Capão de Dentro, onde os mais antigos ainda se reúnem neste tempo de calor, ainda se fazem a penitência e os fiéis da Capela de Nossa Senhora do Amparo e o se Padre reúnem e ainda convida os moradores das redondezas, para realizar aquele ato de fé. Molhar o cruzeiro para a chuva cair em abundância.
O Seu Tinôco que é festeiro e Sacristão da Capela e já ordenou:
— Óia gente. Nóis vai sigui o istradão do Riacho Fundo. O Pade Jeremia vai isperá nóis lá. Vamo rezano frevorosamente. Chegano lá, nóis enche as muringa d’água e segue inté o cruzêro.
A Dona Idalina, esposa do Seu Joaquim Birita, este, gostava de uma cachaça e tudo pra ele era motivo para tomar uma. Ela foi logo entrando na conversa:
— Juaquim, tá iscuitano? Vamo rezá cum fé e nada de bebedêra, quando a gente passá perto da Venda do Seu Zé Catira ocê nem óia.
O Joaquim Birita só sacudiu a cabeça. Já com a moringa na mão, ele seguiu a multidão. Só que o sol estava muito quente, ele virava a moringa no queixo e alguns observando aquilo, lembraram-se da fala do Sacristão e que a água seria apanhada no Riacho Fundo.
O João Pé de Cana, outro marafeiro, vendo aquilo logo sentiu sede repentinamente e:
— Nossa gente, que sede! Ô Juaquim, me dá um gole dessa sua água, senão vou desmaiar?
O Joaquim sem saída lhe entregou a moringa. Quando ele deu aquela golada, era cachaça. E ele para não dedurar o Joaquim e também ficar sem a danada pelo caminho agradeceu:
— Nossa que água gostosa sô! É de vereda, Juaquim?
Pensa no aperto que ficou o Joaquim. E ele:
— É. E peguei ela bem cedim. Tá fresquinha!
Ouvindo aquilo os fiéis alvoroçaram e a seda foi geral e vendo que a coisa não ia ficar bem, os dois caíram no mato numa correria desenfreada.
Lá no pé da Serra do Tamanduá, eles pararam para descansar e tomar mais uma. Lógico. E quem vem lá com a batina toda empoeirada e todo suado? Isso mesmo: o Padre Jeremias. E vendo os dois debaixo da sombra fresca da Aroeira:
— Joaquim e João. Graças a Deus encontrei vocês. Estou numa sede danada. Passa-me essa moringa pra eu beber um poço dessa água.
E agora?
O Joaquim e o João com a moringa de cachaça e qual a desculpa?
O Padre afoitamente pega a moringa da mão do João e dá aquela golada. Os dois com as mãos nos olhos e com medo. E o Padre:
— Uai! Eu não sabia que vocês também gostavam de um golinho!
Os dois boquiabertos, falaram ao mesmo instante:
— Pade! O sinhôre tomém bebe?
O Padre já animado:
— Meus filhos! O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem. Vamos pra penitência.
Chegando ao Riacho Fundo, foi aquele alvoroço e a Dona Idalina xingando o Seu Joaquim e o Berranteiro Josué queria esganar o João. E o Padre:
— Meus irmãos! Ouçam... Quem dentre vós não tiver pecado, seja o primeiro a atirar-lhe uma pedra. ' (Jo 8,7).
Foi um silêncio profundo e o Padre continuou:
— Vamos encher as moringas, Menos a do Joaquim. Ela tá furada.
Seguiram com as orações nos lábios e ao chegarem ao cruzeiro foi aquela fé gigante.
Voltaram pra casa e dentro de poucos minutos a chuva veio em abundância. O Padre Jeremias chamou o Joaquim e o João para se confessarem e o João:
— Pade. Me perdoa. Mais eu góstio duma alambicada.
O Padre consentiu com o gesto e o Joaquim logo se apresentou para confessar e:
— Pade. Pode castigá nóis.
O Padre olhou para um lado e para o outro e disse bem baixinho:
— Não meu filho! Mas, vê se você leva o tira-gosto da próxima vez!
Tudo terminou bem, o Sacristão ficou feliz, a lavoura em abundância, Dona Idalina perdoou o Seu Joaquim, e o Seu João chegou feliz em casa.
Dizem que o Joaquim e o João são os novos sacristãos da capela.
Será que deixaram de beber? O estoque de vinho do Padre Jeremias é grande.
Agora é aguardar a tão badalada Festa da Lavoura. E dizem que o Raimundo do Bento e a Benedita vão carregar o estandarte de São José. O santo fazedor de chuva.
Estou pensando em ir também. E você?
Coisas do sertão!
SOBRE O AUTOR
Antônio de Fátima Silva, o Mestre Tinga das Gerais, natural de Corinto-MG, poeta, ator e cantor e na estrada há 35 anos. Participou de vários festivais, sendo premiado com o conto "O Caboclo e o Barranqueiro", atuou no curta-metragem "Um outro Tiradentes" e no longa "A História das Três Marias", da cineasta Zakia Daura.
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