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sexta-feira, 27 de junho de 2025

 

A BRUXA DA BOM JESUS (Parte I)

Tudo começou em uma corrida que teve início no Carrefour da Bento Gonçalves e terminou na última casa de um beco estreito, sinuoso e esburacado, após eu ter que baixar os vidros e a passageira avisar aos empreendedores que vendiam folhas de bananeira e faziam a segurança do recinto, que era só o Uber. Afinal, era dia de feira e os clientes estavam muito entusiasmados.
Naquela chuvosa e movimentada manhã de sábado, jamais imaginei que estava prestes a registrar uma das mais impressionantes histórias que já ouvi em toda minha trajetória como motorista parceiro da Uber e 99.
Enquanto dirigia rumo à comunidade, dona Cláudia me contou que, quando tinha aproximadamente dez anos de idade, presenciou uma cena de terror, que até hoje lhe causa arrepios na espinha e faz eriçar os cabelos do alto da cabeça até as plantas dos pés.
Naquela época, sua prima Joana tinha apenas dois aninhos e era magérrima, raquítica, desmilinguida.
Sua tia Janete, mãe da Joaninha, empanturrava a filha de comida e todo tipo de chá, levava a criança no pediatra, na benzedeira e tentava de tudo para fazer a menininha vingar, mas, nada dava resultado.
A cada dia, o estado de Joana ia piorando. Além disso, em seu couro cabeludo, havia pequenos espaços sem cabelo e marcas de picadas ou mordidas.
Depois de muitas tentativas conjuntas para salvar a criança, Claudionara, mãe de Cláudia disparou: Janete, essa menina tá embruxada! Tem alguma bruxa sugando as energias da Joaninha. Esse é o motivo pelo qual, ela não se desenvolve. Mas, deixa comigo, que eu já tenho um plano infalível para resolver esta situação. É o seguinte! Hoje à noite, vamos armar pra cima da bruxa e pegar a miserável.
Quanto a mim, Crisóstomo, só posso dizer que, enquanto ouvia essa história verídica, fiquei mais empolgado que o Chaves ao ganhar um sanduíche de presunto.
Inclusive, de tão impressionado com o depoimento da passageira, me distrai e quase quebrei a homocinética em uma cratera lunar.
Ao voltar de Nárnia, dona Cláudia tentava se recompor do bangornaço que quase quebrou seu pescoço, graças ao maravilhoso asfalto de nossas avenidas.
Pelas barbas do profeta! Em pleno século 21, com tudo o que é investido em ciência e tecnologia, com todos os especialistas, que dão pitaco e metem o bedelho em tudo, será que não existe vida inteligente que se preste para inventar uma manta asfáltica de verdade e não esse lixo horroroso, que não resiste nem três dias consecutivos de chuva e já vira um verdadeiro queijo suíço?
É sério? Tem certeza de que isso vem mesmo do petróleo? Tá de sacanagem! Para mim, se parece mais com cocô de cabrito, colado com cuspe de moribundo. Em suma, uma verdadeira hosta! Eu tô mentindo? Eu tô mentindo, caramba? Macacos me mordam!
Retomando, onde eu parei? Tá, lembrei. Estava na parte em que, a tia da vítima bolou um plano infalível para pegar a bruxa.
Naquela quinta-feira, noite de lua cheia, mesmo em suas camas, ninguém dormiu. A família inteira estava de orelha em pé, esperando a possível chegada da persona non grata que estava exaurindo a energia vital da pobre criança.

 (Continua...)

Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativo e palestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. São os casos de Salomaucriado para os livros O Lobisomem do LeprosárioProvérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo e; de Crisóstomo, na obra A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida.
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Conto publicado no livro A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida (coletânea de contos, Editora Meia-noite, 2025).
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sexta-feira, 11 de julho de 2025

 

A BRUXA DA BOM JESUS (Parte III)

Na manhã seguinte, enquanto os gerentes rendiam a equipe da noite, dois adolescentes se esgueiravam lomba acima.
Ao chegarem em frente ao chalé vermelho, um gato preto, veio miando em tom de intensa reprovação. Porém, eles não deram a mínima. Tudo o que eles precisavam era de uma evidência para apresentar ao santo ofício e queimar a pobre mulher em uma fogueira santa.
ressaltando que estamos falando dos anos oitenta. Hoje, a Bonja é uma comunidade extremamente pacífica.
Agora, vem comigo e observe uma figura esguia e mais torta que um pé de goiabeira, vindo até o portão de estaqueta, para atender os especulas.
Ao encostar a verruga peluda sobre a ponta da haste, seus olhos cintilavam de ódio e sua voz denotava que ela não cairia no álibi dos butiás.
 Sumam daqui, seus pestinhas! Não tem gelo, nem butiá, pra vocês. Desapareçam e nunca mais, passem em frente à minha casa.
Não foi preciso repetir. Ao ver sua cabeça toda enfaixada com uma velha meia-calça marrom e uma protuberância bem no meio da testa, o galo da consciência cantou e, em dois palitos, o casal de primos estava chegando em casa, para confirmar as suspeitas de todos.
 A velha é bruxa, a velha é bruxa é a bruxa da Bom Jesus! Disseram em coro, os dois mosqueteiros do Sítio do Pica-pau amarelo.
Ao ouvir tais ilações, Claudionara subiu o morro na força do ódio e foi dar o papo reto para a suspeita, que já estava quase pisando no cadafalso, sem direito a defesa.
Enquanto marchava como uma vaca braba, pensava alto e disparava impropérios para aquecer a língua e destruir verbalmente sua vizinha.
Acho que nem é preciso dizer que ela chegou mais rápido que a conta de luz. Ao avistar um vestido preto cruzar lentamente pela porta do barracão colorado, imediatamente, nossa sargentona bradou em alto e bom som, chamando a misteriosa mulher para a conversa.
 Dona Amália, venha cá! Vamos trocar uma ideia. É o seguinte: na noite passada, uma borboleta gigantesca invadiu nossa casa e repelimos a miserável à vassourada. Porém, da próxima vez, vamos queimar a bruxa no fogão à lenha. A senhora entendeu bem, dona Amália?
— Sim, sim. Entendi perfeitamente. Disse a pobre velha, com muito medo no olhar e um aperto no peito já arqueado pelas inúmeras luas e os perrengues típicos de uma favela.
no apagar das luzes da corrida, Cláudia me contou que, alguns meses depois deste caloroso encontro, dona Amália desencarnou, devido a um tumor no cérebro. Dizem as más línguas que, a causa mortis foi consequência das pancadas recebidas na cabeça, por um piá que só queria defender sua irmãzinha de uma bruxa malvada.
Finalizando, sobre a menina que já estava quase indo de arrasta, Claudia me informou que Joaninha se recuperou, cresceu como um pé de palmito e hoje é adulta, com sete filhas mulheres. Detalhe: a primogênita, mesmo sem entender a metade da missa, teve que batizar a caçula.

 (Continua...)

Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativo e palestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. São os casos de Salomaucriado para os livros O Lobisomem do LeprosárioProvérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo e; de Crisóstomo, na obra A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida.
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Conto publicado no livro A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida (coletânea de contos, Editora Meia-noite, 2025).
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sexta-feira, 18 de julho de 2025

 

UM ESCRITOR DE MUITAS FACETAS
(Anderson Vicente)

Quem de nós, em algum momento, não ficou impressionado com uma história contada por alguém? Tão impressionado que exclamou algo como: “Uau; podia virar um livro!” Já no século XIX, Hans Christian Andersen e os irmãos Grimm, Jacob e Wilhelm, percebiam a importância desse tipo de história. Do mesmo modo, muitos séculos antes, as histórias de As Mil e Uma Noites migravam das histórias orais para a escrita. O cordel, outro grande e antigo representante da tradição popular, nos revela isso. Difícil não ficarmos maravilhados com os versos dos livretos. Mas hoje, neste tempo de mil e um aplicativos, existem histórias orais? Histórias que possam ser transformadas em literatura?
Digo que, para responder a tais questões, é preciso conhecer o autor. São poucos os que sabem o verdadeiro nome dele. Ele é um escritor com muitas facetas. Ou melhor, com diferentes pseudônimos. Nesta obra, em particular, ele adotou Crisóstomo como pseudônimo e personagem. Crisóstomo narra em primeira pessoa. Vive a história de um motorista de aplicativo. E, assim, o personagem vive o dia a dia do próprio autor. Ficção e realidade compõem um elaborado e interessante mosaico. Opa! Não posso entregar o jogo! Crisóstomo jamais me perdoaria. Mesmo que eu não revele, o título é um alcaguete. Nele, está revelado que, aqui, neste livro há uma bruxa.
A Bruxa da Bom Jesus é um texto empolgante. De tirar o fôlego, de ler em um só fôlego (não de modo literal, é claro). Não dá vontade de parar a leitura. Fica difícil não dar spoiler. Preciso ser forte. Bom, não devia, mas... Preciso dizer que, no livro, existem bônus. Crisóstomo é um contador de histórias e tanto. Ali, no livro, de repente, surgem o Boca Braba, o Dexter e o Salomau vindos da cabeça e, de outras obras, do autor. Todos eles são personagens e pseudônimos. Eis um livro fascinante! Cheio de expressões, de gírias, de frases de autoconhecimento, de provérbios. Tem até teste vocacional para motoristas de aplicativo!
A bruxa está à solta nas páginas. Um Lobisomem circula pelos arredores. Há um isolado leprosário. E, ainda, existe um terrível manual que afasta alguém que queremos em sete dias. Sete é um número misterioso. Cheio de significados. Em um mundo repleto de perigos, por que não blindar um Uber? O risco pode vir, de forma inesperada, de uma amizade. Então, julgo que foi uma grande leitura. E, o autor me surpreendeu, mais uma vez. Criatividade, imaginação, enredo. A experiência de quem presencia fatos e sabe escutar. Adora ouvir as pessoas e as histórias dos passageiros. Um escritor que dá um toque único. Que lapida uma tradição oral. A tradição dos contadores de histórias.  

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Anderson Vicente é escritor, gestor ambiental e formando em História. Reside em Alvorada, RS, onde ajudou a fundar o Clube dos Escritores de Alvorada (CEA). Tem diversas participações em coletâneas de contos, crônicas e poemas. É autor dos livros juvenis Às voltas com a caveira Na trilha dos zumbis.

N.E. Um Escritor de Muitas Facetas é o título do prefácio escrito por Anderson Vicente para o livro, do escritor Deodato JúniorA Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida (coletânea de contos, Editora Meia-noite, 2025).

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sexta-feira, 11 de julho de 2025

 

A BRUXA DA BOM JESUS (Parte II)

Passados cinco minutos após a meia-noite, ouviu-se um rufar de asas, adentrando no velho casebre de pau a pique.
Ao acender o lampião de querosene, densas ondas de medo, vibraram como uma tunda de guanxuma nos moradores daquele cortiço e suas pupilas dilataram de terror ao vislumbrar uma gigantesca borboleta cinzenta, acavalada sobre o couro cabeludo de Joaninha.
Subitamente, todos pularam no charque, na força do ódio, contra a desengonçada borboleta de Itú, que cometeu o descalabro de invadir uma propriedade privada, logo na Bonja. Respeita a vila, caramba! Um abraço, Marcito. Tamu junto! É noix! Vamo dá-lhe!
Foco, Crisóstomo! O cara nem te conhece, seu rasgador de seda inveterado! Pare de puxar o saco dos famosos! Quem é tu na fila do pão? Cai na real, pô! Volta pra pauta. Afinal, tu é repórter ou marqueteiro?
Gente, mil perdões pela digressão, mas, já disse que a culpa é do Machado. Desde que descobri este recurso, não consigo largar a danada.
Bem, vamos parar com o nariz de cera e entregar a reportagem completa sobre a bruxa da Bom Jesus.
Sem mais, vamos aos fatos. Acabou o merchandising, meu partner, meu brabo, meu Rivotril.
Venha comigo e confira a cena. Nesse momento, João, irmão da vítima, pula com um cabo de vassoura sobre a meliante e sai errando vassouraço até que, acerta em cheio a cinzenta, que se debate, cai no assoalho encerado de vermelho e fica pererecando, em vão tentando se esquivar das demais pauladas e chutes de quatro pessoas que haviam saído da casinha e jogado a chave fora.
Quando todos pensavam ter aniquilado a nefasta criatura, em um último lampejo de motricidade bruxesca, o insólito e asqueroso animal, consegue se evadir do recinto, como um ébrio que perde o caminho de casa, após comer com farinha, aquela água que passarinho não bebe.
Agora, vamos focar na dona Amália. Opa, acho que revelei o nome da suspeita. Sim, naquele momento de justa indignação, enquanto tentava processar o que tinha acabado de acontecer bem diante da encardida chama do bom e velho lampião, a tia da vítima disse para João e Cláudia: amanhã, bem cedo, vocês vão até a casa da dona Amália com a desculpa de que querem comprar gelo e butiás e observem como ela vai reagir. Tenho quase certeza de que ela é a responsável por essa patifaria. Se for essa velha retardada, ela me paga. Vou botar ela bem no lugarzinho que ela merece.
Observe que a espada de Dâmocles pairava sobre a cabeça da anciã. Pois, mesmo possuindo grandes poderes de barganha na vila, nem que ela entrasse em uma geladeira, poderia escapar da bomba que os quatro elementos estavam prestes a lançar em sua egrégora.

 (Continua...)

Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativo e palestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. São os casos de Salomaucriado para os livros O Lobisomem do LeprosárioProvérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo e; de Crisóstomo, na obra A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida.
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Conto publicado no livro A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida (coletânea de contos, Editora Meia-noite, 2025).
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segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

 

O LOBISOMEM DO LEPROSÁRIO (Parte I)

Buenas, tchê! A seguir, vou te contar uma história cabulosa, daquelas de arrepiar as crinas do matungo e cair os butiás do bolso. Pensa numa resenha jamais vista. Estás preparado, vivente? Então, pega tua ritalina, cuia, bomba e erva, e te aprochegue pra nossa roda de chimarrão. Pois, a partir de agora, você vai ficar hipnotizado com cada história mais macanuda que a outra, narradas em primeira mão, por um Uber neurodivergente, daqueles que saem da casinha e jogam a chave fora. Tchê, mas que barbaridade! Nem incorporou e já quer charuto? Não dança nada e quer luz negra? E anda solto? Recordar é viver! Uma salva de palmas ao saudoso professor Antônio, o qual, durante anos, ensinou informática no curso Vigor, simplesmente o melhor curso preparatório para concursos públicos do RS.
Vamos lá! Era uma vez… Era uma vez na capital da solidariedade. Enquanto subia a Frederico Dihl e passava em frente à nossa lagoa do cocão, via uma multidão de colegas chegando e saindo do mercado mais popular de Alvorada.
Ao descer a Graça Aranha e passar de fininho ao lado de uma baita figueira, que fica exatamente no meio da rua, lembrei de um conto intitulado “Os três elementos”, o qual, faz parte do livro “Histórias da mão esquerda”, de autoria de J.R.Pôrto.
Nesse interregno, pensava com meus botões nas histórias que ouço enquanto dirijo por aplicativos e imaginava que "pérola" viria dos lábios do próximo passageiro.
A esta altura do campeonato, eu pensava que havia ouvido de tudo, que já tinha um portfólio sólido de histórias dignas de fazer parte de um livro que daria inveja até no Pinóquio, Tio Chico, Guina, pastor Jotinha, Mike Baguncinha ou Pablo Marçal.
No entanto, o que eu estava prestes a ouvir, seria diferente de tudo o que tinha já escutado em minha jornada de Uber Alvoradense metido a repórter.
Naquela insólita noite de Quinta-feira, ao incentivar o Carlos a me contar uma história bagual, quase me arrependi. Pois, o quadro mental da mesma, ficou flutuando como uma "persona non grata" em minha mente nada ortodoxa, fora da curva ou neurodivergente. Fazer o quê, se Deus me fez assim? Cada um luta com as armas que tem! Amém! Vamo dá-lhe!
Sem mais delongas, vou tentar te contar de um modo bem tranquilo, para que você não tenha pesadelos a noite, sonhando com "a coisa" que aquele menino viu no leprosário.
–– Você parece ser um homem de mente aberta. Por isso, vou te contar um segredo, uma experiência que passei há mais de trinta anos, na praia de Itapuã. Inclusive, você é a primeira pessoa a quem "abro o coração" e conto o que presenciei em um leprosário, nos idos dos anos 80.
Nesse momento, ao ouvir meu interlocutor, eu estava mais empolgado do que o Chaves ao ganhar um sanduíche de presunto. Inclusive, quase caímos em uma cratera, coisa nada comum em nossas maravilhosas estradas. Sem ressentimentos, vamos à história.
Naquela noite de lua cheia, Carlos tirou do arco-da-velha, uma daquelas histórias que me fazem lembrar da antológica frase atribuída a Shakespeare, a qual, diga-se de passagem, está na epígrafe desta idiossincrática e perene obra literária.
Retomando, sob os raios prateados do astro noturno, Carlos contou-me que, durante sua infância, algumas vezes, foi visitar sua avó materna, a qual, devido ao fato de ser portadora de hanseníase, residia no hospital leprosário de Itapuã.
Ocorre que, em uma de suas idas ao leprosário, descobriu que sua avó tinha arrumado um novo namorado, um sujeito que, segundo ele, era muito estranho. Sobre isso, incrustado na velha porta marrom de seu quarto, tinha um baita dum pentagrama. O que, obviamente, não prova nada, mas, na mente do Carlinhos, era um prato cheio para ele morrer de medo do cara que pegava sua querida vovozinha.
Pelo fato dela já estar com seus mais de setenta anos, com lepra, internada em um hospital por tempo indeterminado, praticamente com o pé na cova e mesmo sob tais circunstâncias encontrar alguém para viver uma história de amor, sem dúvida, é motivo de efusiva comemoração.
Sob esse olhar, se eu pudesse, agora mesmo, colocaria a música tema do filme Titanic para te ajudar a imaginar a cena dos dois pombinhos namorando.
Essa senhora, só queria curtir o pouco tempo que ainda lhe restava no grande palco da existência, como bem diz Augusto Cury.
A filosofia da velhinha era simples e pragmática: lavou, tá nova! Em uma linguagem atual, a velhinha era braba.  Se ela ainda estivesse entre nós, diria: vamo dá-lhe! Dane-se! Já estou quase desencarnando, mesmo. Sendo assim, vou derreter e esfarelar o salgado, neste caso: a salgada.
Inclusive, dizem as más línguas que ela tinha mais horas de cama que urubu de vôo. Sacanagem falar dos mortos, principalmente de uma senhora tão generosa. Bem, pelo menos, eles não nos processam por levarmos alegria às pessoas através do humor, nem nos acusam de sermos os protagonistas de piadas jocosas.

Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativo e palestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. É o caso de Salomaucriado para os livros O Lobisomem do LeprosárioProvérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo.
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Conto publicado, em 2024, no livro O LOBISOMEM DO LEPROSÁRIO, coletânea de contos, Editora Meia-noite. 

 

O LOBISOMEM DO LEPROSÁRIO (Parte II)

Observe que nunca é tarde para o amor. Outra coisa: lembre-se que, sempre há um chinelo velho, disponível para um pé torto. Isso faz sentido? É claro que isso não se aplica a você e sim, sobre a pessoa que, um dia, já foi o amor de sua vida e hoje, de príncipe, foi promovido a sapo. No entanto, é sempre bom lembrar de um adágio popular que revela o quanto o mundo dá voltas: É melhor ter e não precisar, do que precisar e não ter”. Pense nisso e não esqueça que, mais dia, menos dia, a lei da gravidade também vai te pegar. Entendedores, entenderão.
Sem mais digressões, vamos focar no cerne da história e deixar dona Clotilde descansar em paz, ou não…
Nesse momento, passamos por um posto de gasolina e Carlos me pediu para aguardar cinco minutos até ele comprar uma carteira de cigarro. Mano, não é todo dia que ocorre do passageiro, além de te contar uma história inesquecível, ainda te pagar um café. Sim, senhoras e senhores, o homem comprou um cafezinho para mim, e, enquanto ele fumava, eu tomava minha água mineral, porque a bendita da máquina enguiçou, não quis me entregar o líquido precioso de todo bom motorista e tive que fazer um brique com a moça do caixa.
Para fechar todas, o app, abandonado, sozinho, dentro do carro, me perguntava: está tudo bem com você? Você está parado há tanto tempo, que estou preocupado! Chamo a polícia ou o IGP?
Não é preciso dizer que só visualizei a mensagem um ano depois, após meu confidente fumar e exaurir a história com especificidade, em meio a névoas de nicotina. Tô nem aí! Qual o jornalista que vai brigar com a fonte ao receber um "furo" e tanto? Por mim, ele podia fumar até Chanceler que eu esperaria de boa, desde que, me contasse uma história que valesse a pena, que fosse digna de tornar-se perene.
Agora vai… Não te revolta comigo! Já disse que a culpa é do Machado. Uma vez que descobri a metalinguagem, não consigo parar de usar a danada. Agora foca no essencial, Salomau e deixa de ser um Rolando Lero. 
Assim, voltemos ao hospital e vamos acompanhar o menino Carlinhos passar por um trauma jamais visto.
Nesse ínterim, encostado em um totem no posto Ipiranga, na capital da solidariedade, entre uma e outra tragada, como Arnold Schwarzenegger com seus charutos, Carlos lavou a alma.
Ele me contou que, em uma discussão entre sua mãe e o senhor estranho que namorava sua avó, o menino foi tentar convencer sua progenitora a voltar para casa, pois, morria de medo do homem, não só pelo pentagrama na velha porta marrom, mas, principalmente, porque os olhos do ancião tinham um brilho diferente e assustador. Além, é claro, dele ser todo peludão, tipo Tony Ramos. O que, obviamente, também não prova nada, pois, são apenas falácias, ilações e intriga da oposição, nobres excelentíssimos menestreis, de uma república de bananas, feita sob medida para Inglês ver e pobre sofrer do primeiro ao quinto, enquanto vocês enchem suas burras com nosso suado dinheirinho. O Brasileiro merece ser estudado pela NASA, não é mesmo?
Retomando, ocorre que, ao caminhar pelo estreito corredor de parquet, rodeado em ambos os lados por quadros com as fotos dos gestores que por ali passaram, todos mortos, diga-se de passagem, ouviu sons de passos vindo em sua direção.
Naquele momento em que, segundos parecem durar uma eternidade, nosso protagonista viu uma sombra gigantesca incidir sobre si, projetando a imagem de um híbrido muito próximo ao que, nos tradicionais contos, é apresentado como lobisomem.
Devagar, bem devagar, o menino correu os olhos de baixo para cima e o que viu, lhe encheu ainda mais de terror. Ele contou-me que os pés da criatura pareciam patas de vaca. Suas pernas peludas e musculosas lhe instigaram uma indescritível sensação de incapacidade de fugir de sua presença. Da cintura pra cima, ele era uma mistura de homem, cachorro e porco. E o que dizer da cabeça do monstro? Segundo Carlos, era uma aberração, tão diferente e hibridizada, que fica bem difícil descrever.
Neste momento que mais pareceu uma eternidade, "o ser" fitou Carlos longamente, com seus olhos vermelhos flamejantes, dirigindo um olhar gélido, cruzando com os olhos de uma indefesa criança de apenas doze anos. Sabe aquele olhar de profunda reprovação, ou melhor: um olhar de Coach, te dizendo que tu não passa de um hosta? Isso mesmo! Um abraço, Pablito! Toma o que te mandaram, Pablin! Coach picareta! Ou não…
Como se não bastasse, não contente em intimidar pelo olhar, bafejou fortemente pelas ventas peludas sobre o peito do pobre infante, quase derrubando-o com o impacto do bafo do Ledesma e fazendo o coitado do guri ter um prolapso retal. Foi de cair o butiá das calças, literalmente! Misericedo, Miseriqueima, Misericórdia!
Depois de deixar nosso protagonista todo borrado, a aberração passou por ele e saiu marchando para o vasto campo de artemisia, enquanto os raios luminosos do disco prateado iluminavam o complexo.
Quando finalmente conseguiu se mover, Carlinhos caminhou pelo sinistro corredor do leprosário, entrou pela porta deixada aberta pela nefasta criatura e encontrou sua mãe e avó abraçadas, chorando copiosamente e nem sinal do namorido de sua vovozinha.
Ao ligar os pontos, Carlos concluiu o pior e isso deixou nosso menino catatônico e bloqueado, sem conseguir falar sobre, com ninguém, por longos anos.
Forte, muito forte, varão! Manto, terra, fogo, água e ar, muito ar! Vamo dá-lhe! Beba água, meu filho! Uber não é comédia! Uber também é cultura!  Vira Uber, pô! Reeeeeeeceeeeeeeeeba o link! Desculpe, TDAH misturado com tourette e HB20 é coisa braba, muito braba. Foca na foca, Salomau. Amém!
Finalizando, até que, em uma Quinta-feira, noite de lua cheia, ao entrar em um HB20 preto e conhecer um Uber Alvoradense, que não estava ali para julgar o mérito de sua experiência, nem examinar sua história sob suas lentes teológicas, abriu o coração e contou-me um inesquecível depoimento sobre nada mais, nada menos que um baita dum lobisomem e o enorme assédio moral por ele imposto sobre um indefeso guri de apartamento, no leprosário de Itapuã.

Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativopalestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. É o caso de Salomau, criado para os livros O Lobisomem do LeprosárioProvérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo.
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Conto publicado, em 2024, no livro O LOBISOMEM DO LEPROSÁRIO, coletânea de contos, Editora Meia-noite.