EITA! CACIANA ARRETADA!
Engenheiro Pires de Albuquerque, atual distrito de Alto Belo, pertencente ao município de Boacaiúva, tem cada causo que deixa a gente a viajar pelas linhas do Trem de Ferro, que deixou muita saudade pelas curvas do sertão e nos vilarejos por onde as famílias deliravam com os acenos das janelas e pelo apitar, que invadia a alma.
Lugar de gente pacata e cheia de histórias, o dia ganha alegria e o viver em sintonia com a natureza, faz da saga um berço de sentimentos.
O Seu Sílvio, da Dona Maria, negro ferroviário dava manutenção nas linhas que serpenteavam os vales e serras das gerais. Um pai de três filhos, muito correto e que gostava de uma dança, levava sua vida com muitos sorrisos na face ao lado da família.
Dona Caciana, sua mãe, era uma negra sisuda, mulher de muita garra, na enxada ela tirava seu eito e topava parada com qualquer homem. Diziam na região, que ela era filha negro de fazendas coloniais, na época da escravidão. E aquele que se metia a besta com ela, levava uma resposta daquelas e até saía nas pauladas. Ou foice.
A criação andava solta pelas ruas como em muitos vilarejos e ali: galinhas, porcos, cachorros e era normal para aquele povo que gostava de ter um animal para criar.
Os porcos da Dona Caciana ficavam soltos pelas ruas do vilarejo por ali também por entre aos de outros. Certo dia, o Seu Adelino, caboclo que também era daquele lugar aprazível ao ver alguns porcos pelas ruas, irritou-se e resolveu atiçar seus cachorros aos pobres porcos. Os cachorros feriram os porcos. Adivinha de quem eram os porcos?
Isso mesmo. Da Dona Caciana. Os cachorros morderam os porcos e o sangue jorrava pelas ruas de Pires. Ao ouvir aquela confusão, a Dona Caciana correu até a janela pra ver o que estava acontecendo. Nisso ela viu o Seu Adelino correndo e entrando em sua casa. Não deu outra. Dona Caciana ajeitou o lenço surrado na cabeça e foi até à casa da Seu Adelino e:
— Seu Adelino! O sinhôre atiçô seus cachorro nos meu porco e saiu correno? Sai aqui fora! Seu covarde lazarento!
Seu Adelino chegou até á Janela e:
— Óia Dona Caciana. Ninguém ó obrigado a vê esses porco da sinhora nas rua. Se a sinhora qué criá, cria preso no seu quintale.
Pensa numa mulher que saiu do salto e:
— Óia Seu dislavado. Os porco é meu e eu crio adonde eu quisé. Sai aqui fora queu vô parti sua cara, seu covarde! Vô te mostrá cum quantos graveto se fais a fêjuada.
O Seu Adelino irado foi logo retrucando:
— Óia Dona Caciana. Se a sinhora bestá, vô pegá minha cartuchêra eu dá um tiro no peitio da sinhora, pa mode mostrá a minha corage..
Por essa ele não esperava. A Dona Caciana abriu o vestido e mostrando aqueles seios caídos pelo tempo e que amamentou aos filhos e:
— Atira intão seu valentão! Se Ocê num atirá eu vô quebrá ocê no pau e mostrá ocê cumo é que fais covardia cum meus porco. Ocê num sabe adonde infiá a cuié. Cumigo não!
Ao ouvir aquela discussão a Dona Joaninha, esposa do Seu Adelino chegou com a calmaria do inseto Joaninha e:
— Ô Delino! Fais isso não! Dêxa de sê inguinorante home! Ocê sabe cumo é a Dona Caciana! Dêxa de valintia. Martratá a criação e ainda da Dona Caciana? Ocê sabe quéla tem corage!
O Seu Adelino deu uma acalmada e saiu da janela enquanto a Dona Joaninha pedia desculpas.
A Dona Caciana foi para a sua casa até tremendo de raiva e foi tratar das feridas dos animais.
Dizem que o Seu Adelino quando chega à Venda do vilarejo, sempre tem um que diz:
— Eu vi uns porco bunito na rua hoje...
Ele só olha atravessado e vai embora.
Dona Caciana levou anos para esquecer-se do Seu Adelino e ele prendeu os seus cachorros. Coitados.
Mais um causo do pacato e adorado Alto Belo, antigo Engenheiro Pires de Albuquerque.
Quer ouvir mais histórias de lá?
Pergunte à Sônia, filha do Seu Sílvio e a Dona Maria, ela é neta da Negona arretada, Dona Caciana. Ela me contou este causo...quem sabe ela lhe conte um!
Inté a outro causo da Sônia lá dos Montes...claros!
Antônio de Fátima Silva, o Mestre Tinga das Gerais, natural de Corinto-MG, poeta, ator e cantor e na estrada há 35 anos. Participou de vários festivais, sendo premiado com o conto "O Caboclo e o Barranqueiro", atuou no curta-metragem "Um outro Tiradentes" e no longa "A História das Três Marias", da cineasta Zakia Daura.
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