Volver a los diecisiete
Después de vivir un siglo
Es como descifrar signos
Sin ser sabio competente
Eu poderia começar essa história assim: "A primeira vez que vi Caine West foi em um café. Ela notou que eu estava encarando e deduziu que fosse um flerte. Quando veio falar comigo, coloquei-a na linha, exasperando tudo o que eu pensava sobre ela ser uma mentirosa, traidora e egocêntrica."
Mas essa não é a minha história, e sim a do livro ENGANO IRRESISTÍVEL, da escritora VI KEELAND. Mas então por que eu poderia começar a minha história imitando o romance "Engano irresistível"? Porque são muitas as semelhanças: a começar pelo envolvimento de um professor com uma aluna; as linhas tortas que separam os dois e as coincidências que juntam; a falta de comunicação entre eles — enfim, tudo que se traduz simplesmente pela famosa (e desgastada) "a vida imita a arte".
Eu poderia também começar essa história dizendo que "A última vez que vi Alana foi em um café". Mas é ruim começar uma história pelo final, pela última vez. Vamos começar de novo, então.
A primeira vez que vi Alana foi em uma sala de aula da Escola Castro Alves, em Alvorada. Ela notou que eu a estava olhando, mas em vez de desviar o olhar (como faria qualquer estudante tímida) ficou me encarando.
Eu era o professor de Matemática, recém chegado naquela escola; Alana, mais uma adolescente a assistir as minhas aulas.
Seria muito demorado explicar a forma como se deu a nossa aproximação. Não tinha a menor chance de acontecer. Mas aconteceu.
Pegando carona nas coincidências, descobrimos que nossos pais eram originários da mesma cidade da fronteira — descoberta que se deu através do meu sotaque.
E foi do jeito mais adolescente que poderia existir que Alana se declarou apaixonada por mim: um bilhete grampeado na prova bimestral de Matemática.
Uma situação típica de escola: a aluna se apaixona pelo professor.
Alana era a menina perfeita para um relacionamento: discreta, bonita, inteligente, afetiva. Perfeita para qualquer adolescente, jamais para um homem de 40 anos, separado do terceiro casamento, com quatro filhos adolescentes para criar.
Mas ela não queria entender a realidade. E assim tivemos longas e cansativas conversas sobre isso, sentados na grama, à beira da Lagoa do Cocão.
Obviamente, que o maior erro tinha sido o meu. Não deveria, em hipótese alguma ter dado abertura. Mas tudo se resolveu quando eu fui chamado para dar aula num cursinho pré-vestibular em Novo Hamburgo. Assim, deixei Alana para trás e fui para uma oportunidade melhor de trabalho.
Acredito que Alana tenha sofrido — amor adolescente é penoso —, mas quando a reencontrei, ela estava casada e tinha dois filhos. Tinham se passado dez anos. Eu chegara aos cinquenta e ela recém completara vinte e sete.
O reencontro foi num supermercado. Fui despejando as compras para a moça do caixa passar e só percebi que era Alana quando ela perguntou: "Mais alguma coisa, professor?" Conversamos rapidamente ali e combinamos que eu a esperaria: em meia hora terminaria o expediente dela.
No estacionamento do mercado ela iniciou dizendo que "não era mais a adolescente bobinha" que eu conhecera. Mostrou as fotos dos filhos e do marido. Contou como era feliz.
E eu senti, durante aquela conversa, que agora a situação invertera: eu sentia uma vontade muito forte de abraçá-la; de não me separar; de não passar mais dez anos longe. Ofereci-me para levá-la em casa, mas ela achou que o marido dela não gostaria. Nos despedimos ali, em meio aos carros que buscavam ansiosos uma vaga para estacionar. Daquele dia em diante pensava nela todos os dias. Mas nunca ousei ligar para o número de contato que ela me dera.
O fato de eu ter parentes morando em Alvorada sempre me trazia de volta à cidade. E por fim acabei reencontrando Alana. Mas dessa vez não foi por acaso: ela me procurou pelas redes sociais. Disse que precisava muito falar comigo. Marcamos o encontro como se tivéssemos nos visto há pouco — mas tinham passado mais de dez anos daquela nossa conversa no supermercado. Nos encontramos em um Café perto da Prefeitura.
A cada reencontro, Alana estava mais bonita. Naquele dia ela estava completando quarenta anos, e um fio de cabelo branco brotava bem no meio da cabeça. Mantinha o ar adolescente e o corpo em forma. Parecia um pouco ansiosa. Contou que a filha mais velha fora morar na Irlanda e o filho conseguira trabalho em São Paulo. Ela havia passado no concurso da prefeitura para Secretária de Escola e trabalhava na Escola Antônio de Godoy. Contou que havia se separado. Explicou os motivos da separação. Por fim, disse que nunca deixara de pensar em mim.
Levei aquilo na brincadeira. Disse que os bons professores são inesquecíveis; que ela sempre seria a minha aluna nota dez. Por fim, disse a ela que agora era eu quem estava casado novamente. Que a minha esposa era maravilhosa. Que estávamos pensando em adotar uma criança. E quanto mais eu mentia, mais perfeita ficava aquela história.
Nos despedimos ali mesmo. Ela não quis que eu a levasse em casa e disse: "Acho que a 'maravilhosa' não gostaria".
Ficamos de manter contato. Mas eu sabia que isso não aconteceria. Tenho certeza de que se eu falasse a verdade ela iria querer ficar comigo.
Cuidar de mim até o final. Mas sei que isso não seria o melhor para ela. Eu havia descoberto a minha doença há cerca de um ano, quando fiz os exames demissionais para iniciar a aposentadoria. Estava ciente da longa batalha pela frente: exames, tratamento, mais exames, mais tratamentos. E o prognóstico não era bom.
Não, eu não estava casado. Não tinha ninguém ao meu lado, nem mesmo os meus filhos (cada um seguira a sua vida). A vida seguiu seu curso; foi pisando tão forte que seria impossível voltar atrás.
Acompanhei os passos dela em direção ao ponto de ônibus. Vi quando ela ajeitou o fone de ouvidos. Não sei que tipo de música ela gosta. Qual a comida preferida. Alguma mania. Não sei quase nada dela. Mas agora já não adiantava mesmo. Paguei a conta, mas não saí. Fiquei ali sentado, olhando as pessoas que entravam e saíam do Café. O barulho da avenida atravessava as vidraças junto com uma luz azulada do neon que iluminava o Café. Para tornar o quadro mais deprimente só faltava uma música tocada por um violinista cego.
Forcei a atenção para tentar escutar a música que saía da caixa de som próxima, mas não consegui. O Café ficara cheio, e as vozes e risadas misturadas com os sons da rua não deixavam a música chegar com nitidez aos meus ouvidos. Ou talvez não fosse exatamente por isso, mas porque vinda de algum lugar a voz de Mercedes Sosa martelasse em meus ouvidos: "Voltar aos dezessete depois de viver um século/ É como decifrar sinais sem ser sábio competente/ Voltar a ser de repente tão frágil como um segundo/ Voltar a sentir profundo como um menino diante de Deus/ Isso é o que sinto neste instante fecundo."
Sérgio Vieira Brandão, nascido em Alvorada, RS, é escritor, professor, psicólogo e empresário. Mora em Tramandaí, RS (sergio.escritor@gmail.com).
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Conto publicado em 2021, no livro CONTOS DE ALVORADA, coletânea lançada pelo Clube dos Escritores de Alvorada (editora meia-noite).
Adorei essa história, muito boa mesmo!!!
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