
O LOBISOMEM DO LEPROSÁRIO (Parte II)
Observe
que nunca é tarde para o amor. Outra coisa: lembre-se que, sempre há um chinelo
velho, disponível para um pé torto. Isso faz sentido? É claro que isso não se
aplica a você e sim, sobre a pessoa que, um dia, já foi o amor de sua vida e
hoje, de príncipe, foi promovido a sapo. No entanto, é sempre bom lembrar de um
adágio popular que revela o quanto o mundo dá voltas: É melhor ter e não
precisar, do que precisar e não ter”. Pense nisso e não esqueça que, mais dia,
menos dia, a lei da gravidade também vai te pegar. Entendedores, entenderão.
Sem mais
digressões, vamos focar no cerne da história e deixar dona Clotilde descansar
em paz, ou não…
Nesse
momento, passamos por um posto de gasolina e Carlos me pediu para aguardar
cinco minutos até ele comprar uma carteira de cigarro. Mano, não é todo dia que
ocorre do passageiro, além de te contar uma história inesquecível, ainda te
pagar um café. Sim, senhoras e senhores, o homem comprou um cafezinho para mim,
e, enquanto ele fumava, eu tomava minha água mineral, porque a bendita da
máquina enguiçou, não quis me entregar o líquido precioso de todo bom motorista
e tive que fazer um brique com a moça do caixa.
Para
fechar todas, o app, abandonado, sozinho, dentro do carro, me perguntava: está
tudo bem com você? Você está parado há tanto tempo, que estou preocupado! Chamo
a polícia ou o IGP?
Não é
preciso dizer que só visualizei a mensagem um ano depois, após meu confidente
fumar e exaurir a história com especificidade, em meio a névoas de nicotina. Tô
nem aí! Qual o jornalista que vai brigar com a fonte ao receber um
"furo" e tanto? Por mim, ele podia fumar até Chanceler que eu
esperaria de boa, desde que, me contasse uma história que valesse a pena, que
fosse digna de tornar-se perene.
Agora
vai… Não te revolta comigo! Já disse que a culpa é do Machado. Uma vez que
descobri a metalinguagem, não consigo parar de usar a danada. Agora foca no
essencial, Salomau e deixa de ser um Rolando Lero.
Assim,
voltemos ao hospital e vamos acompanhar o menino Carlinhos passar por um trauma
jamais visto.
Nesse
ínterim, encostado em um totem no posto Ipiranga, na capital da solidariedade,
entre uma e outra tragada, como Arnold Schwarzenegger com seus charutos, Carlos
lavou a alma.
Ele me
contou que, em uma discussão entre sua mãe e o senhor estranho que namorava sua
avó, o menino foi tentar convencer sua progenitora a voltar para casa, pois,
morria de medo do homem, não só pelo pentagrama na velha porta marrom, mas,
principalmente, porque os olhos do ancião tinham um brilho diferente e assustador.
Além, é claro, dele ser todo peludão, tipo Tony Ramos. O que, obviamente,
também não prova nada, pois, são apenas falácias, ilações e intriga da
oposição, nobres excelentíssimos menestreis, de uma república de bananas, feita
sob medida para Inglês ver e pobre sofrer do primeiro ao quinto, enquanto vocês
enchem suas burras com nosso suado dinheirinho. O Brasileiro merece ser
estudado pela NASA, não é mesmo?
Retomando,
ocorre que, ao caminhar pelo estreito corredor de parquet, rodeado em ambos os lados
por quadros com as fotos dos gestores que por ali passaram, todos mortos,
diga-se de passagem, ouviu sons de passos vindo em sua direção.
Naquele
momento em que, segundos parecem durar uma eternidade, nosso protagonista viu
uma sombra gigantesca incidir sobre si, projetando a imagem de um híbrido muito
próximo ao que, nos tradicionais contos, é apresentado como lobisomem.
Devagar,
bem devagar, o menino correu os olhos de baixo para cima e o que viu, lhe
encheu ainda mais de terror. Ele contou-me que os pés da criatura pareciam
patas de vaca. Suas pernas peludas e musculosas lhe instigaram uma
indescritível sensação de incapacidade de fugir de sua presença. Da cintura pra
cima, ele era uma mistura de homem, cachorro e porco. E o que dizer da cabeça
do monstro? Segundo Carlos, era uma aberração, tão diferente e hibridizada, que
fica bem difícil descrever.
Neste
momento que mais pareceu uma eternidade, "o ser" fitou Carlos
longamente, com seus olhos vermelhos flamejantes, dirigindo um olhar gélido,
cruzando com os olhos de uma indefesa criança de apenas doze anos. Sabe aquele
olhar de profunda reprovação, ou melhor: um olhar de Coach, te dizendo que tu
não passa de um hosta? Isso mesmo! Um abraço, Pablito! Toma o que te mandaram,
Pablin! Coach picareta! Ou não…
Como se
não bastasse, não contente em intimidar pelo olhar, bafejou fortemente pelas
ventas peludas sobre o peito do pobre infante, quase derrubando-o com o impacto
do bafo do Ledesma e fazendo o coitado do guri ter um prolapso retal. Foi de
cair o butiá das calças, literalmente! Misericedo, Miseriqueima, Misericórdia!
Depois de
deixar nosso protagonista todo borrado, a aberração passou por ele e saiu
marchando para o vasto campo de artemisia, enquanto os raios luminosos do disco
prateado iluminavam o complexo.
Quando finalmente
conseguiu se mover, Carlinhos caminhou pelo sinistro corredor do leprosário,
entrou pela porta deixada aberta pela nefasta criatura e encontrou sua mãe e
avó abraçadas, chorando copiosamente e nem sinal do namorido de sua vovozinha.
Ao ligar
os pontos, Carlos concluiu o pior e isso deixou nosso menino catatônico e
bloqueado, sem conseguir falar sobre, com ninguém, por longos anos.
Forte,
muito forte, varão! Manto, terra, fogo, água e ar, muito ar! Vamo dá-lhe! Beba
água, meu filho! Uber não é comédia! Uber também é cultura! Vira Uber, pô! Reeeeeeeceeeeeeeeeba o link!
Desculpe, TDAH misturado com tourette e HB20 é coisa braba, muito braba. Foca
na foca, Salomau. Amém!
Finalizando,
até que, em uma Quinta-feira, noite de lua cheia, ao entrar em um HB20 preto e
conhecer um Uber Alvoradense, que não estava ali para julgar o mérito de sua
experiência, nem examinar sua história sob suas lentes teológicas, abriu o
coração e contou-me um inesquecível depoimento sobre nada mais, nada menos que
um baita dum lobisomem e o enorme assédio moral por ele imposto sobre um
indefeso guri de apartamento, no leprosário de Itapuã.
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Conto publicado, em 2024, no livro O LOBISOMEM DO LEPROSÁRIO, coletânea de contos, Editora Meia-noite.