domingo, 17 de agosto de 2025

 

VIDA 
Parte IV - Outono

Nas pedras perto da gruta segura firme a rede de pesca. O pai o chamou várias vezes, mas não deu atenção. Queria observar um pouco mais aquele ponto em que o mar atingia as pedras. Já era tempo de se afastar, mas fica ali hipnotizado pela força das ondas e por seu rugido. Puxa a rede com esforço, quase como se ouvisse algum canto que o quisesse ali enquanto a maré sobe. Depois volta até onde o pai está. Ele o crítica, reclama do perigo, e se fosse o dia que Iemanjá o quisesse com ela?
Daí poderia estar num deserto e morreria afogado.
Cala essa boca, guri.
Não sou guri há tempos.
Pra mim é. E pra sempre.
Tá, tudo bem.
Subiram uma longa escadaria na pedra, depois no topo do morro seu pai apontou para a capela.
Vamos por ali.
Caminharam pela trilha de grama amarelada, o céu de nuvens escuras no meio da tarde. Enquanto caminham vê a capela solitária. A estação já passou, pensa. Já faz tempo isso. Deve ter seguido por outra rota, bem diferente da que queria na época.
O que você tá fazendo aí?
O pai o olha impaciente. Se esquece da capela e o acompanha pela trilha, não olha para trás. Se fosse considerar, já estava atrasado naquela promessa fazia muito tempo. Estão no pátio do parque da Guarita, poucos pingos de chuva caem. Chegam ao carro e colocam o material de pesca no porta malas, troca a camisa.
Chega de pesca pra esse ano. — O pai sentencia entrando no carro no banco do carona.
É, chega.
Você esteve aqui sozinho faz uns dias. Pegou alguma coisa?
Lembra daquela noite, o outono não tinha chegado. Era o que? A oitava vez que fazia a mesma coisa? Tinha uma vida, trabalho, namorada. E mesmo assim, estivera ali de novo, à noite, prometera fazia tanto tempo, só não conseguia deixar pra lá. Então ficou por ali, olhou para as estrelas, sentiu o vento frio da noite. Sozinho.
Não peguei nada. Nem uma gripe.
Pelo menos isso.
— Vamos?
 É você quem dirige, filho.
Manobrou o carro, pegou a estrada para a saída do parque. Ainda morava na cidade, era uma vida boa, não tinha do que reclamar. Mas de vez em quando, pensava que não devia ter mentido para ela que não se importava. Achou que seria o melhor. A chuva aumentou, passou em frente a uma casa em que parara muito tempo antes. Tinha sido alugada na época.
 Guri, porque está assim? Parece que se perdeu no tempo.
— Ah, desculpa. Não é nada.
 Não mente.
— É sério. Tá tudo bem.
 E o que tanto você ficava olhando pra essa casa então?
 Nada. São só umas memórias que não consegui substituir.

 CONTINUA...

Ben Schaeffer é escritor, advogado e contador. Natural de Porto Alegre, reside em Alvorada, RS. Ávido leitor, lê vários gêneros, desde livros de ficção científica, de fantasia e de mistério até histórias em quadrinhos. É autor do livro Dan Plaggo Porto das Bruxas e da série Histórias do Reino de Puphantia (O Grande Assalto e Os Fantasmas de Puphantus).  

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Conto, do autor, VIDA.
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Um comentário:

  1. Fico a aguardar curiosa a continuidade do conto e o que realmente representa " aquela casa".
    Alexandra Ferreira

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