sexta-feira, 27 de outubro de 2023

 

LAVADEIRAS NO COLO DAS ÁGUAS

O sol escancarado da manhã revelava a labuta das intrépidas guerreiras dos córregos e rios que cortam das gerais. A bacia no canto da palhoça é o retrato da espera, onde, a trouxa amarrada e em silêncio, contemplava o sabão caseiro que a Dona Benedita ao redor do fogão à lenha, fizera para deixar a roupa do Raimundo do Bento impecável. Pois, este era vaidoso e sua calça de Casimira, branca, contrastava com a camisa azul, cor esta em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes, a Iemanjá, sua protetora.
Dona Benedita esboçou um canto e aquilo até parecia um código, pois, aos poucos as amigas chegavam e cada uma com sua bacia à cabeça, sintonizavam ao canto, formando ali um coral. Nos embornais, a farofa, o café e os biscoitos, sabiam dos seus destinos que era o Rio das Velhas e o bucho não espera, pois, a fome chegaria num piscar de olhos e as roupas quando nas pedras para quarar, a sombra fresca do frondoso Jequitibá, seria a mesa para o sagrado alimento.
Dona Benedita inicia o seu canto, que é seguido pelas amigas, enquanto a passarada em seus ninhos ou mesmos em revoada, se embriagava daquele cenário magistral.
Ao chegarem ao rio a Benedita: 
Óia que maravia! Ás água tá ino numa aligria aos braço de Odoyá.
Em silêncio as amigas concordavam e seus olhos brilhavam feito as estrelas.
A Maria do Teté esfregava e o seu suor misturado ao sabão, servia de alvejante daquelas simples peças de roupas da família. A Dona Carmelita batia a roupa na pedra e o eco adentrava no sertão e as corredeiras cintilantes absorviam a espuma que iam por entre as pedras e folhas secas de um outono, que o serelepe vento despejara nas águas. Ao torcer as suas roupas a Dona Conceição, com um tido sorriso na face, deixa o olhar dizer que o seu filho Joaquim vai ficar todo charmoso, ao lado das belas moças do vilarejo.
Roupa quarando e a matula sobre um pano e o café ostentando seu cheiro, ali a oração para poder degustar aquela merenda feita com amor.
É hora de tirar as roupas do quarador e as pedras aos pouco vão ficando nuas e o enxaguar é preciso, pois, o sol ainda esperava para entrar em cena e protagonizar a secagem.
Enquanto as roupa secavam, a Dona Benedita catava umas raízes de Canela de Perdiz, santo remédio caseiro, a Conceição à sombra...proseava com a  Dona Carmelita sobre a Festa de São José, o Santo fazedor de chuva da qual era festeira. E Dona Benedita:
                                                        “Êh! Tá hora
                                                         Tá na hora de vortá
                                                         Nossa rôpa tá lavada
                                                         E nóis tem que regressá
                                                         Vamo pegá as bacia
                                                         E sertão adentro caminhá”
E aquilo era um hino sertão afora por entre almas e a fé daquelas lavadeiras do colo das águas. Águas da Iara à Iemanjá.
Ao longe as palhoças e suas chaminés e a fumaça celebrando a volta das intrépidas lavadeiras.
Inté!
 
 
     
SOBRE O AUTOR

Antônio de Fátima Silva, o Mestre Tinga das Gerais, natural de Corinto-MG, poeta, ator e cantor e na estrada há 35 anos. Participou de vários festivais, sendo premiado com o conto "O Caboclo e o Barranqueiro", atuou no curta-metragem "Um outro Tiradentes" e no longa "A História das Três Marias", da cineasta Zakia Daura.

2 comentários: