LAVADEIRAS NO COLO DAS ÁGUAS
O sol escancarado da
manhã revelava a labuta das intrépidas guerreiras dos córregos e rios que
cortam das gerais. A bacia no canto da palhoça é o retrato da espera, onde, a
trouxa amarrada e em silêncio, contemplava o sabão caseiro que a Dona Benedita
ao redor do fogão à lenha, fizera para deixar a roupa do Raimundo do Bento
impecável. Pois, este era vaidoso e sua calça de Casimira, branca, contrastava
com a camisa azul, cor esta em homenagem a Nossa Senhora dos Navegantes, a
Iemanjá, sua protetora.
Dona Benedita esboçou um
canto e aquilo até parecia um código, pois, aos poucos as amigas chegavam e
cada uma com sua bacia à cabeça, sintonizavam ao canto, formando ali um coral.
Nos embornais, a farofa, o café e os biscoitos, sabiam dos seus destinos que
era o Rio das Velhas e o bucho não espera, pois, a fome chegaria num piscar de
olhos e as roupas quando nas pedras para quarar, a sombra fresca do frondoso
Jequitibá, seria a mesa para o sagrado alimento.
Dona Benedita inicia o
seu canto, que é seguido pelas amigas, enquanto a passarada em seus ninhos ou
mesmos em revoada, se embriagava daquele cenário magistral.
Ao chegarem ao rio a
Benedita:
— Óia que maravia! Ás água tá ino numa
aligria aos braço de Odoyá.
Em silêncio as amigas
concordavam e seus olhos brilhavam feito as estrelas.
A Maria do Teté
esfregava e o seu suor misturado ao sabão, servia de alvejante daquelas simples
peças de roupas da família. A Dona Carmelita batia a roupa na pedra e o eco
adentrava no sertão e as corredeiras cintilantes absorviam a espuma que iam por
entre as pedras e folhas secas de um outono, que o serelepe vento despejara nas
águas. Ao torcer as suas roupas a Dona Conceição, com um tido sorriso na face,
deixa o olhar dizer que o seu filho Joaquim vai ficar todo charmoso, ao lado
das belas moças do vilarejo.
Roupa quarando e a matula
sobre um pano e o café ostentando seu cheiro, ali a oração para poder degustar
aquela merenda feita com amor.
É hora de tirar as
roupas do quarador e as pedras aos pouco vão ficando nuas e o enxaguar é
preciso, pois, o sol ainda esperava para entrar em cena e protagonizar a
secagem.
Enquanto as roupa secavam, a
Dona Benedita catava umas raízes de Canela de Perdiz, santo remédio caseiro, a
Conceição à sombra...proseava com a Dona Carmelita sobre a Festa de São
José, o Santo fazedor de chuva da qual era festeira. E Dona Benedita:
“Êh! Tá hora
Tá na hora de vortá
Nossa rôpa tá lavada
E nóis tem que regressá
Vamo pegá as bacia
E sertão adentro caminhá”
E aquilo era um hino
sertão afora por entre almas e a fé daquelas lavadeiras do colo das águas.
Águas da Iara à Iemanjá.
Ao longe as palhoças e
suas chaminés e a fumaça celebrando a volta das intrépidas lavadeiras.
Inté!
SOBRE O AUTOR
Antônio de Fátima Silva, o Mestre Tinga das Gerais, natural de Corinto-MG, poeta, ator e cantor e na estrada há 35 anos. Participou de vários festivais, sendo premiado com o conto "O Caboclo e o Barranqueiro", atuou no curta-metragem "Um outro Tiradentes" e no longa "A História das Três Marias", da cineasta Zakia Daura.