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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

 

A floresta misteriosa e a sua trilha finalmente seriam desvendadas por mim. Provavelmente, e com sorte, acharia um tenebroso e majestoso pântano, quem sabe antigas árvores, tão velhas quando a figueira. Mas não foi bem isso que aconteceu. A trilha era muito maior do que eu pensava, e caminhando cada vez mais por ela, a floresta foi me oprimindo, fechando-se no meu entorno, por entre os seus galhos e troncos, cipós emaranhados e plantas solenes, cada vez mais sentia que estava indo longe de mais. Dentro da escuridão da floresta o caos da natureza manifesta a sua potencia criadora e destruidora, a fome de vida e morte que move o rumo das criaturas pulsa no seio da floresta negra, eu desafiava o meu medo porque a atração pelo desconhecido era maior, o cortejo da velha figueira que me chamava para as profundezas que eu me dirigia, finalmente estava sendo correspondido. E eu não conseguia parar. Não me atrevia a olhar para os lados, para o interior da floresta. Um medo estúpido das formas espectrais e sombrias formadas pelo manto da noite que ia se estendendo corria-me na espinha, e eu simplesmente andava. A lua já podia ser vista por entre os galhos, lembrando que já devia ser tarde. Aquela aventura sinistra parecia não ter fim, mas foi após um leve declive que depois se tornou uma grande abertura, que novamente o improvável aconteceu: havia uma construção rústica no meio da clareira, e logo mais a diante começava o pântano. Então realmente havia um pântano, mas não dei muita atenção. A outra visão era muito mais interessante. 
Ao que parecia era um altar religioso com um tipo de tigela de argila no centro, certamente utilizado para oferendas para algum deus pagão, talvez feito por indígenas ou escravos que passaram por ali em um passado remoto. No entanto havia algo curioso, pois não enxerguei nenhuma imagem ou inscrição. Apenas uma grande pedra no centro, onde deveriam estar essas coisas. Mas o que isso significava? Os antigos cultuavam pedras? No entorno do estranho altar o lodo negro e viscoso do pântano se espalhava, dando àquele lugar um aspecto profano. A pedra, que deveria ter um metro de diâmetro, era negra, mas tinha um brilho opaco que refletia a luz da lua. Como não havia outras pedras por ali, e o terreno era lamacento, conclui que ela não deveria ser originária do local. Alguém deveria ter a trazido para fazer o culto. Mas porque alguém traria uma pedra daquelas para o meio de uma floresta? E aquela trilha, por que ainda estava aberta? Estaria o culto aos deus pagão ainda sendo praticado? Eu duvidei disso, pois a comunidade da vila era católica, mas não consegui pensar em respostas plausíveis. Algo me ocorreu: e se a pedra negra tivesse caído do céu? 

(Parte VI)

Quando eu voltei para a casa dos meus país, fiquei novamente sentado na cadeira da varanda refletindo. No final das contas, não descobri quem ou por que alguém entrou na floresta, e a visão do altar profano e da pedra negra me deixaram pensando em sacrifícios macabros e rezas satânicas, em fantasmas e monstros inomináveis. A pedra poderia ser um meteoro, e o início da trilha pode ter sido aberto pela sua queda, o declive e a clareira eram na verdade a cratera que foi gerada pelo impacto. Isso justificaria a sua presença inusitada e um altar em seu entorno. Os antigos, sendo supersticiosos e ignorantes, devem ter a visto encandeceste caindo do céu, assim lhe atribuíram divindade. Essas hipóteses foram criando vida na minha mente, e quando eu estava me preparando para entrar, vi, perto da figueira, algo curioso: era outro boneco de pano, fui pegá-lo. Representava então uma pessoa adulta, pois usava terno. Tive que passar mais tempo na casa. Os meus tios, que iriam assumir a administração do lugar antes da venda, estavam a caminho pra acertar as coisas.
Então resignado eu decidi comer alguma coisa e depois apenas esperar. Deixei o meu novo boneco de pano em cima da cadeira do meu pai, e decidi ir para o único estabelecimento da vila que vendia comida. O que eu não queria era ter que cumprimentar um por um dos vizinhos e ouvir os mesmos comentários de sempre, dessa forma peguei um caminho alternativo à rua principal, na verdade a vila só tinha uma rua. Andando e pensando sem parar na pedra negra avistei, infelizmente, um morador que eu conhecia. Era o velho Martin Rosenberg, estava parado sorrindo do lado de dentro do seu terreno, parecia muito mais velho que da última vez que o vi, na verdade estava com a idade tão avançada que o seu corpo magro parecia que iria quebrar. Eu o saudei, e sem me retribuir ele falou comigo com uma voz grave e rouca:
 Melhor ficar longe da floresta, lá é um lugar ruim...

CONTINUA...

Graduado em História, o escritor Everton Santos, autor do livro O SOL DOS MALDITOS, é coordenador dos eventos Feira Alternativa e Ensaio de Rua, músico da banda de punk rock Atari e apresentador do canal, no youtube, Consciência Histórica. Mora em Alvorada, RS.

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Conto postado, em 25 de março de 2025, pelo autor, em seu blogue Contos do Horror Cósmico. 
*CLIQUE NAS PALAVRAS COLORIDAS (BIOGRAFIA E NOTA DE RODAPÉ).
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quarta-feira, 23 de julho de 2025

 

Tive uma vida normal com mulher e filhos, trabalho no escritório de contabilidade, alcoolismo e separação. Na tarde que recebi o telefonema que confirmou a morte da minha velha mãe eu passei mal. Senti ânsia de vômito e precisei de água, ar e uma dose de bebida. Ela já estava muito debilitada pelo Alzheimer, situação que veio se agravando após a morte do meu pai. O pior de tudo é que eu teria que voltar na vila para resolver problemas legais e também da condição do meu antigo lar. isso não era nada agradável, aquele lugar estava morto para mim, voltar lá significava desenterrar um cadáver. A viagem foi tranquila, apreciei as paisagens bucólicas da janela do ônibus. Quando eu era criança adorava viajar de ônibus com meu pai para a cidade. Percebi que naquela situação, vendo antigas paisagens, estava me despertando sentimentos de nostalgia que não eram exatamente bons. 
O enterro foi rápido e solene, havia um número considerável de pessoas, como a vila não tinha cemitério a cerimônia foi feita na comunidade vizinha. Após uma viagem curta, ao chegar na casa da minha falecida mãe tudo estava quase igual eu havia deixado há 20 anos. A não ser pelos evidentes sinais do tempo. O jardim do meu pai e os alfaces não existiam mais, a pintura da casa estava pior do que eu jamais havia visto. Tudo ali lembrava abandono e solidão, como se a velha casa cansada das suas próprias memórias, estivesse pronta para se fechar e repousar em uma introspecção que levava o peso das gerações passadas. Ninguém vai morar ali agora, eu fui embora e não iria voltar. A casa dos meus pais poderia descansar. 

(Parte V)

Além de tudo que eu revi, reparei que a figueira ainda estava exatamente como eu me lembrava. O tempo não parecia ter lhe afetado em nada, seus galhos, as folhas, o tronco e as grandes raízes onde eu me deitava quando garoto, estavam plenas e vigorosas figurando na visão que precedia o campo e que levava até a floresta. Essa sim parecia diferente.

Depois de todo aquele tempo eu tive impressão que ela havia crescido, algo estranho, dada a tendência contrária das atividades humanas diminuírem o tamanho desses lugares. Acendi um cigarro e fiquei admirando a vista da varanda sentado na cadeira da minha mãe, encarei a floresta dizendo para mim mesmo que nunca mais iria voltar. Quando enchi os pulmões com a segunda tragada acabei fixando a visão ainda mais naquele horizonte, eu sempre imaginei o que haveria no interior da floresta. Foi então que o improvável aconteceu: uma pessoa adentrou na mata. Pude ver nitidamente de onde eu estava, apesar da distância. Com um pouco de hesitação decidi verificar o que estava acontecendo, era uma situação interessante. Eu me senti um personagem idiota de filmes de terror, que ao invés de chamar a polícia, coloca-se em perigo. Porém, havia em mim a vontade de explorar o lugar, de saber o que havia por lá, de olhar tudo e ter as certeza que não havia nada. Mas e aquela pessoa? Por que entrou em uma floresta escura durante a hora do crepúsculo? Seria um assassino que vai finalizar sua vítima? Um homem que se transforma em uma besta quando o sol se põe? Ou apenas jovens indo ter relações sexuais ou usar drogas? Eu quis rir das minhas hipóteses, mas meus lábios não obedeceram, parecia que a situação me impelia para uma certa seriedade. Andando com passo apressado atravessei o campo. Sempre cuidando ao meu redor, a floresta estava ainda iluminada por poucos raios de sol antes do anoitecer, e me pareceu bem mais intimidadora do que no meu sonho. De fato havia uma trilha para o seu interior, mas era bem mais larga que eu imaginei, e a débil luz do sol ainda lhe cobria o caminho por uma boa parte. As sombras da escuridão se erguendo vagarosamente na projeção das árvores e arbustos dava um ar fantasmagórico para o local, e eu realmente achei uma bela visão: era como um túnel de sombras feito por árvores sinistras que se inclinavam.

CONTINUA...

Graduado em História, o escritor Everton Santos, autor do livro O SOL DOS MALDITOS, é coordenador dos eventos Feira Alternativa e Ensaio de Rua, músico da banda de punk rock Atari e apresentador do canal, no youtube, Consciência Histórica. Mora em Alvorada, RS.

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Conto postado, em 25 de março de 2025, pelo autor, em seu blogue Contos do Horror Cósmico. 
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sábado, 17 de maio de 2025

 

O lugar, no geral, era tão pacato e sereno como poderia ser um vilarejo do interior, quase lembrava uma vila camponesa. No final da tarde, na temporada de verão, os moradores sentavam na frente das casas para conversar e se refrescar um pouco depois do dia de trabalho. E as crianças corriam pelas ruas fazendo brincadeiras até a chegada das primeiras estrelas no céu. Menos eu, é claro. Desde muito cedo tive inclinações estranhas por passar horas sozinho, fazendo minhas próprias brincadeiras, inventando personagens e amigos imaginários. Adorava desenhar seres mágicos e aventuras de heróis, e também tinha uma atração por fazer brincadeiras perto da figueira ao lado de casa. Aquela árvore era o lugar que eu mais gostava, passava a manhã e a tarde por lá fazendo todo tipo de brincadeiras, e às vezes até infantilmente falava com a árvore. Mas à noite era diferente. A figueira se transformava em uma criatura da escuridão, um ser imenso com galhos se retorcendo querendo agarrar o céu e a mim. Imaginava da janela do meu quarto, o tronco velho e retorcido se movendo sutilmente, e na brisa fria da noite pelos galhos e o farfalhar das folhas, eu sentia de alguma forma que a antiga figueira me chamava suavemente em um sussurro, e eu pedia a Deus para não sonhar com ela. 

(Parte III)

Em uma tarde quente de verão, quando estava brincando na figueira encontrei um boneco. Pelas roupas que usava, representava um garoto. Era tosco, feito de pano e costurado de forma desleixada. Estava preenchido com palha, e um pouco de lodo negro estava em cima da parte das pernas. Limpei com algumas folhas e rapidamente fiz o boneco de mais um dos meus personagens. Nessa ocasião estava me divertindo tanto que cheguei a cansar, acabei me encostando na figueira e sem perceber adormeci. No meu sonho o dia estava com o sol se pondo, e a figueira movia os seus galhos como se estivesse buscando sair de onde estava, eu estremeci de medo. Ela me chamava pro interior da floresta juntamente com meu novo amigo boneco de pano. Além do campo aberto havia um caminho na mata que levava para uma trilha que se perdia dentro de onde a luz do sol não chegava, e o escuro abraçava os seres da floresta dentro das suas entranhas. O que haveria mais além? Um pântano? Um cemitério ou um covil de lobisomens? Quem sabe uma casa antiga onde uma velha bruxa preparava um feitiço lendo o seu grimório gasto pelo tempo? Desejei acordar. Quando despertei já era tarde, minha mãe me chamava para o banho antes do jantar. Levantei e fiquei com vontade de voltar no outro dia. Nunca mais eu sonhei com a figueira desde então. Conforme os anos foram passando e eu fui crescendo, abandonei as brincadeiras e a árvore ficou para trás. Ao terminar os estudos, fui morar na cidade dividindo aluguel com um amigo. Comecei uma vida nova longe da vila, da minha mãe, da antiga figueira e da floresta que me chamava. 

CONTINUA...

Graduado em História, o escritor Everton Santos, autor do livro O SOL DOS MALDITOS, é coordenador dos eventos Feira Alternativa e Ensaio de Rua, músico da banda de punk rock Atari e apresentador do canal, no youtube, Consciência Histórica. Mora em Alvorada, RS.

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Conto postado, em 25 de março de 2025, pelo autor, em seu blogue Contos do Horror Cósmico. 
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sábado, 5 de abril de 2025

 

Meu nome é Alan Scherer, mas isso não importa mais. Decidi escrever em um caderno de notas, como se fazia antigamente, os fatos  que me levaram até essa condição degradante em um hospital psiquiátrico, um nome melhor para o que chamávamos antes de hospício. Demorou pra eles me darem caneta e papel, escrever sempre foi um dos meus passa tempos preferidos, um dia cheguei a sonhar em escrever um livro, contudo faltava-me  criatividade e sentimento. Não basta saber as melhores palavras, é necessário inspiração para atingir as emoções mais latentes, e a minha preferida sempre foi o medo. É estranho para mim pensar que, então, este texto chegará perto disso através de experiências que eu jamais desejaria de ter vivido, e até hoje me pergunto se foram reais ou produto da minha mente fantasiosa e fraca. Estarei verdadeiramente louco? Os horrores do desconhecido, incompreensíveis para minha mente simplória, penso eu, só poderiam realmente terem me levado à loucura e à insanidade. Será com o que tenho ainda de lucidez, que escreverei essas próximas linhas que tratam de memórias e sonhos, sim, sonhos. Pois desde cedo eu desenvolvi um dom peculiar, era uma capacidade que na prática não servia para nada, mas para mim trouxe maravilhas que aqui não terei tempo para contar. Eu conseguia muitas vezes estar consciente durante os sonhos. 

(Parte II)

Tudo começou com a morte do meu velho pai quando eu ainda era criança. Fiquei muito triste, como não poderia deixar de ser, mas minha querida mãe na época entrou em depressão profunda, apesar de não aceitar. Meu pai era um homem tranquilo e gentil, lembro dele com a sua marreta quebrando algumas pedras que atrapalhavam o seu belo jardim e plantação de alfaces nos fundos da nossa casa. Ele trabalhava na lavoura em terras arrendadas, era forte e eu o admirava, quando ficou doente nada restou do homem que um dia fez um jardim e quebrava pedras. Minha mãe, após o sepultamento, começou a apresentar comportamento errático e falho, taciturno e, por fim, totalmente apático. Sentava-se na sua cadeira na varanda, ao lado da cadeira vazia do meu pai, e ficava horas olhando para uma grande figueira ao lado da casa, e às vezes para a floresta que ficava mais além de um campo no final da nossa rua. Depois de algum tempo ela simplesmente começou a dizer que as coisas iriam melhorar. O local onde morávamos era uma vila agrícola que abastecia as cidades vizinhas, chama-se Vila do Sacramento, mas todos apenas chamavam simplesmente de vila, como se o lugar por não ser grande o suficiente não merecesse um nome. Havia poucas famílias, diziam que eram os descendentes dos moradores que vieram ocupar o lugar no início do século passado. Certamente os meus familiares de gerações passadas estiveram por ali, derrubando árvores, cortando mato e fazendo suas moradias. A nossa casa tinha pertencido ao meu avô, o pai da minha mãe, era de madeira gasta pelo tempo, e a pintura branca estava sempre descascando, ficava no final da rua onde estava a maldita figueira. 

CONTINUA...

Graduado em História, o escritor Everton Santos, autor do livro O SOL DOS MALDITOS, é coordenador dos eventos Feira Alternativa e Ensaio de Rua, músico da banda de punk rock Atari e apresentador do canal, no youtube, Consciência Histórica. Mora em Alvorada, RS.

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