(Parte IV)
Tive uma vida normal com mulher e filhos, trabalho no escritório de contabilidade, alcoolismo e separação. Na tarde que recebi o telefonema que confirmou a morte da minha velha mãe eu passei mal. Senti ânsia de vômito e precisei de água, ar e uma dose de bebida. Ela já estava muito debilitada pelo Alzheimer, situação que veio se agravando após a morte do meu pai. O pior de tudo é que eu teria que voltar na vila para resolver problemas legais e também da condição do meu antigo lar. isso não era nada agradável, aquele lugar estava morto para mim, voltar lá significava desenterrar um cadáver. A viagem foi tranquila, apreciei as paisagens bucólicas da janela do ônibus. Quando eu era criança adorava viajar de ônibus com meu pai para a cidade. Percebi que naquela situação, vendo antigas paisagens, estava me despertando sentimentos de nostalgia que não eram exatamente bons.
O enterro foi rápido e solene, havia um número considerável de pessoas, como a vila não tinha cemitério a cerimônia foi feita na comunidade vizinha. Após uma viagem curta, ao chegar na casa da minha falecida mãe tudo estava quase igual eu havia deixado há 20 anos. A não ser pelos evidentes sinais do tempo. O jardim do meu pai e os alfaces não existiam mais, a pintura da casa estava pior do que eu jamais havia visto. Tudo ali lembrava abandono e solidão, como se a velha casa cansada das suas próprias memórias, estivesse pronta para se fechar e repousar em uma introspecção que levava o peso das gerações passadas. Ninguém vai morar ali agora, eu fui embora e não iria voltar. A casa dos meus pais poderia descansar.
(Parte V)
Além de tudo que eu revi, reparei que a figueira ainda estava exatamente como eu me lembrava. O tempo não parecia ter lhe afetado em nada, seus galhos, as folhas, o tronco e as grandes raízes onde eu me deitava quando garoto, estavam plenas e vigorosas figurando na visão que precedia o campo e que levava até a floresta. Essa sim parecia diferente.
Depois de todo aquele tempo eu tive impressão que ela havia crescido, algo estranho, dada a tendência contrária das atividades humanas diminuírem o tamanho desses lugares. Acendi um cigarro e fiquei admirando a vista da varanda sentado na cadeira da minha mãe, encarei a floresta dizendo para mim mesmo que nunca mais iria voltar. Quando enchi os pulmões com a segunda tragada acabei fixando a visão ainda mais naquele horizonte, eu sempre imaginei o que haveria no interior da floresta. Foi então que o improvável aconteceu: uma pessoa adentrou na mata. Pude ver nitidamente de onde eu estava, apesar da distância. Com um pouco de hesitação decidi verificar o que estava acontecendo, era uma situação interessante. Eu me senti um personagem idiota de filmes de terror, que ao invés de chamar a polícia, coloca-se em perigo. Porém, havia em mim a vontade de explorar o lugar, de saber o que havia por lá, de olhar tudo e ter as certeza que não havia nada. Mas e aquela pessoa? Por que entrou em uma floresta escura durante a hora do crepúsculo? Seria um assassino que vai finalizar sua vítima? Um homem que se transforma em uma besta quando o sol se põe? Ou apenas jovens indo ter relações sexuais ou usar drogas? Eu quis rir das minhas hipóteses, mas meus lábios não obedeceram, parecia que a situação me impelia para uma certa seriedade. Andando com passo apressado atravessei o campo. Sempre cuidando ao meu redor, a floresta estava ainda iluminada por poucos raios de sol antes do anoitecer, e me pareceu bem mais intimidadora do que no meu sonho. De fato havia uma trilha para o seu interior, mas era bem mais larga que eu imaginei, e a débil luz do sol ainda lhe cobria o caminho por uma boa parte. As sombras da escuridão se erguendo vagarosamente na projeção das árvores e arbustos dava um ar fantasmagórico para o local, e eu realmente achei uma bela visão: era como um túnel de sombras feito por árvores sinistras que se inclinavam.
CONTINUA...
_________________________Graduado em História, o escritor Everton Santos, autor do livro O SOL DOS MALDITOS, é coordenador dos eventos Feira Alternativa e Ensaio de Rua, músico da banda de punk rock Atari e apresentador do canal, no youtube, Consciência Histórica. Mora em Alvorada, RS.
Romance postado, em 25 de março de 2025, pelo autor, em seu blogue O Sol dos Malditos Underground.
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Adorei a narrativa e o tema. A escrivã é fluida, mas leva-nos até essa " floresta" .
ResponderExcluirAlexandra Ferreira