sexta-feira, 27 de junho de 2025

 

A BRUXA DA BOM JESUS (Parte I)

Tudo começou em uma corrida que teve início no Carrefour da Bento Gonçalves e terminou na última casa de um beco estreito, sinuoso e esburacado, após eu ter que baixar os vidros e a passageira avisar aos empreendedores que vendiam folhas de bananeira e faziam a segurança do recinto, que era só o Uber. Afinal, era dia de feira e os clientes estavam muito entusiasmados.
Naquela chuvosa e movimentada manhã de sábado, jamais imaginei que estava prestes a registrar uma das mais impressionantes histórias que já ouvi em toda minha trajetória como motorista parceiro da Uber e 99.
Enquanto dirigia rumo à comunidade, dona Cláudia me contou que, quando tinha aproximadamente dez anos de idade, presenciou uma cena de terror, que até hoje lhe causa arrepios na espinha e faz eriçar os cabelos do alto da cabeça até as plantas dos pés.
Naquela época, sua prima Joana tinha apenas dois aninhos e era magérrima, raquítica, desmilinguida.
Sua tia Janete, mãe da Joaninha, empanturrava a filha de comida e todo tipo de chá, levava a criança no pediatra, na benzedeira e tentava de tudo para fazer a menininha vingar, mas, nada dava resultado.
A cada dia, o estado de Joana ia piorando. Além disso, em seu couro cabeludo, havia pequenos espaços sem cabelo e marcas de picadas ou mordidas.
Depois de muitas tentativas conjuntas para salvar a criança, Claudionara, mãe de Cláudia disparou: Janete, essa menina tá embruxada! Tem alguma bruxa sugando as energias da Joaninha. Esse é o motivo pelo qual, ela não se desenvolve. Mas, deixa comigo, que eu já tenho um plano infalível para resolver esta situação. É o seguinte! Hoje à noite, vamos armar pra cima da bruxa e pegar a miserável.
Quanto a mim, Crisóstomo, só posso dizer que, enquanto ouvia essa história verídica, fiquei mais empolgado que o Chaves ao ganhar um sanduíche de presunto.
Inclusive, de tão impressionado com o depoimento da passageira, me distrai e quase quebrei a homocinética em uma cratera lunar.
Ao voltar de Nárnia, dona Cláudia tentava se recompor do bangornaço que quase quebrou seu pescoço, graças ao maravilhoso asfalto de nossas avenidas.
Pelas barbas do profeta! Em pleno século 21, com tudo o que é investido em ciência e tecnologia, com todos os especialistas, que dão pitaco e metem o bedelho em tudo, será que não existe vida inteligente que se preste para inventar uma manta asfáltica de verdade e não esse lixo horroroso, que não resiste nem três dias consecutivos de chuva e já vira um verdadeiro queijo suíço?
É sério? Tem certeza de que isso vem mesmo do petróleo? Tá de sacanagem! Para mim, se parece mais com cocô de cabrito, colado com cuspe de moribundo. Em suma, uma verdadeira hosta! Eu tô mentindo? Eu tô mentindo, caramba? Macacos me mordam!
Retomando, onde eu parei? Tá, lembrei. Estava na parte em que, a tia da vítima bolou um plano infalível para pegar a bruxa.
Naquela quinta-feira, noite de lua cheia, mesmo em suas camas, ninguém dormiu.

 (Continua...)

Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativo e palestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. São os casos de Salomaucriado para os livros O Lobisomem do LeprosárioProvérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo e; de Crisóstomo, na obra A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida.
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Conto publicado no livro A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida (coletânea de contos, Editora Meia-noite, 2025).
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