sexta-feira, 2 de maio de 2025

 

TESOURA (Parte Final)

— Bom dia. — Disse.
— Vim devolver a tesoura.
— Ah, tudo bem. Não tinha pressa.
— O pai já usou, não queria abusar.
— Tá certo.
A moça devolveu a tesoura e ficou ali parada no pátio. Depois falou.
— Eu estou de férias, aqui é tão parado.
— Sim, é parado.
 O seu gato é muito bonito.
 É meu companheiro, sabe? Veio pra cá e nunca mais foi embora.
 O senhor sempre morou aqui?
 Sempre.
— E conhece muita história daqui?
Ele pensou um pouco. Conhecia um pouco de tudo, desde fofocas antigas que sua mulher lhe contava, a segredos de amigos há muito mortos e muitas lendas dali e de algumas outras regiões. Contou exatamente isso a menina.
— Que legal! O senhor me conta?
 Conto o que?
 Uma história!
 Mas... você não prefere fazer outra coisa por aí?
 Eu posso..., mas aqui é tão parado. Então... acho que uma ou outra história vai ser algo bom pra passar o tempo.
Ele olhou para a menina, não estava fazendo troça. Levantou com dificuldade, foi até a cozinha, pegou uma outra cadeira e a colocou na varanda um pouco distante da dele. Ofereceu a cadeira à moça. Ela sentou-se.
 Bebe chimarrão?
 Bebo. — Respondeu sorrindo.
 Já ouviu a respeito da dama na caverna? — Perguntou um pouco sem jeito, entregando a cuia à menina.
 É da Salamanca do Jarau?
 Não, essa é outra. Essa que falei é lá de Santa Cruz... um amigo me contou. Falava como se fosse verdade.
 E o que o senhor acha?
 Que é uma história boa, seja verdade ou não.
— Então me conta.
Era início da tarde, dessa vez tinha almoçado, o gato veio, sabe-se lá de onde, como sempre, e pulou no colo da visita. Não estava mais chovendo, o céu ainda estava nublado, mas o sol ensaiava alguns raios de luz aqui e ali. Ele contou a história, ela agradeceu quando terminou e pediu outra. No outro dia, o pai dela veio, e junto deles, o irmão mais novo. Contou outra história, um bêbado da cidade que um dia recuperou o juízo e jurava que tinha domado a mula sem cabeça. Depois, de vez em quando, vinham todos, ele aprendeu seus nomes, eles o dele, o tratavam bem, às vezes almoçavam ou lhe buscavam pra almoçar. Contou muitas histórias, e a menina trouxe um caderno, anotava, anotava. O gato sentava em mais colos, à noite o velho ia dormir pensando que seria bom poder dar mais um bom dia. Nunca abriu a bíblia que tinha na cabeceira da cama, mas achava que se alguma coisa tinha mudado, talvez tivesse a ver com ela. Talvez. Mas, normalmente, pensava que tudo tinha a ver com uma tesoura, e durante o tempo que lhe restou — e foram muitos os “bom dia” que pôde dar - nunca perguntou porque precisaram dela em um dia de chuva.  

 

Ben Schaeffer é escritor, advogado e contador. Natural de Porto Alegre, reside em Alvorada, RS. Ávido leitor, lê vários gêneros, desde livros de ficção científica, de fantasia e de mistério até histórias em quadrinhos. É autor do livro Dan Plaggo Porto das Bruxas e da série Histórias do Reino de Puphantia (O Grande Assalto e Os Fantasmas de Puphantus).  
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Conto, do autor, TESOURA.
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