A BRUXA DA BOM JESUS (Parte III)
Na manhã seguinte, enquanto os gerentes rendiam a equipe da noite, dois adolescentes se esgueiravam lomba acima.
Ao chegarem em frente ao chalé vermelho, um gato preto, veio miando em tom de intensa reprovação. Porém, eles não deram a mínima. Tudo o que eles precisavam era de uma evidência para apresentar ao santo ofício e queimar a pobre mulher em uma fogueira santa.
Só ressaltando que estamos falando dos anos oitenta. Hoje, a Bonja é uma comunidade extremamente pacífica.
Agora, vem comigo e observe uma figura esguia e mais torta que um pé de goiabeira, vindo até o portão de estaqueta, para atender os especulas.
Ao encostar a verruga peluda sobre a ponta da haste, seus olhos cintilavam de ódio e sua voz denotava que ela não cairia no álibi dos butiás.
— Sumam daqui, seus pestinhas! Não tem gelo, nem butiá, pra vocês. Desapareçam e nunca mais, passem em frente à minha casa.
Não foi preciso repetir. Ao ver sua cabeça toda enfaixada com uma velha meia-calça marrom e uma protuberância bem no meio da testa, o galo da consciência cantou e, em dois palitos, o casal de primos estava chegando em casa, para confirmar as suspeitas de todos.
— A velha é bruxa, a velha é bruxa é a bruxa da Bom Jesus! Disseram em coro, os dois mosqueteiros do Sítio do Pica-pau amarelo.
Ao ouvir tais ilações, Claudionara subiu o morro na força do ódio e foi dar o papo reto para a suspeita, que já estava quase pisando no cadafalso, sem direito a defesa.
Enquanto marchava como uma vaca braba, pensava alto e disparava impropérios para aquecer a língua e destruir verbalmente sua vizinha.
Acho que nem é preciso dizer que ela chegou mais rápido que a conta de luz. Ao avistar um vestido preto cruzar lentamente pela porta do barracão colorado, imediatamente, nossa sargentona bradou em alto e bom som, chamando a misteriosa mulher para a conversa.
— Dona Amália, venha cá! Vamos trocar uma ideia. É o seguinte: na noite passada, uma borboleta gigantesca invadiu nossa casa e repelimos a miserável à vassourada. Porém, da próxima vez, vamos queimar a bruxa no fogão à lenha. A senhora entendeu bem, dona Amália?
— Sim, sim. Entendi perfeitamente. Disse a pobre velha, com muito medo no olhar e um aperto no peito já arqueado pelas inúmeras luas e os perrengues típicos de uma favela.
Já no apagar das luzes da corrida, Cláudia me contou que, alguns meses depois deste caloroso encontro, dona Amália desencarnou, devido a um tumor no cérebro. Dizem as más línguas que, a causa mortis foi consequência das pancadas recebidas na cabeça, por um piá que só queria defender sua irmãzinha de uma bruxa malvada.
Finalizando, sobre a menina que já estava quase indo de arrasta, Claudia me informou que Joaninha se recuperou, cresceu como um pé de palmito e hoje é adulta, com sete filhas mulheres. Detalhe: a primogênita, mesmo sem entender a metade da missa, teve que batizar a caçula.
Natural de Alvorada, RS, Deodato Júnior é motorista de aplicativo e palestrante. Criativo e versátil, o autor costuma criar diferentes pseudônimos para suas obras. São os casos de Salomau, criado para os livros O Lobisomem do Leprosário, Provérbios de Salomau e Teste Vocacional para Motoristas de Aplicativo e; de Crisóstomo, na obra A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida.
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Conto publicado no livro A Bruxa da Bom Jesus: Histórias que até Zeus duvida (coletânea de contos, Editora Meia-noite, 2025).
*CLIQUE NAS PALAVRAS COLORIDAS (BIOGRAFIA).
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